Rui Machado: "Como treinador passamos a pensar exclusivamente no que é melhor para os atletas"
Uma raquete, presente dos pais e um clube de ténis na vizinhança foi o suficiente para que Rui Machado dedicasse toda a vida à modalidade. Aquele que já foi um dos melhores tenistas nacionais é agora Coordenador Técnico Nacional na Federação Portuguesa de Ténis (FPT), capitão da equipa portuguesa na Taça Davis e responsável pelo Centro de Alto Rendimento (CAR) da FPT onde treina o atleta Pedro Sousa que ganhou no passado domingo 6 de Dezembro 2020 o Maia Open.
“A proximidade de ter um clube perto de casa e os meus pais que, quando fizeram uma viagem de férias, compraram para mim e para o meu irmão uma raquete e foi assim o começo, tornou-se natural”, contou Rui Machado, que desde muito cedo começou a somar títulos no ténis. “O primeiro daqueles que eu considero mais importantes foi o Campeonato Nacional já com 17 anos, mas até lá ganhei muitos torneios de Juvenis e cheguei a uma final do Campeonato Nacional de Sub-14”, recordou o tenista.
A lista de títulos e sucessos da carreira enquanto jogador é vasta: 8 títulos no circuito “Challenger”, 10 presenças no quadro principal em torneios do “Grand Slam”, 28 chamadas à seleção portuguesa na taça “Davis” e quatro títulos de campeão nacional. “Representar a seleção em qualquer das 28 eliminatórias foi sempre especial. Quem representa a seleção sente que de facto está a representar um país, ouvir o hino, toda essa envolvência é sempre especial. Mas quando bati o recorde, na altura, do melhor ranking de sempre em Portugal (59º lugar no ranking ATP), esse foi um dos momentos mais especiais da minha vida enquanto jogador, porque escrevi o nome de maneira diferente na história do ténis português. Esse recorde agora já foi batido pelo João Sousa e pelo Gastão Elias, mas esse momento foi especial, senti que tinha quebrado mais uma barreira”, revelou, com orgulho.
As lesões dificultaram a carreira do tenista que foi um dos seis portugueses no top 100, mas acabou por contrariar as adversidades:
“Vontade de desistir não diria que tive, mas que houve dúvidas, sim. Quando eu tinha 22 anos estive lesionado durante um ano e meio, com uma lesão no joelho, da qual foi muito difícil recuperar. Fiz a recuperação em vários sítios – em Barcelona, no Porto, em Lisboa e acabei por fazer a última parte da recuperação em Valência até – e sempre à procura de solucionar o problema. Foi muito difícil porque ainda era muito novo, nunca tinha tido uma lesão grave e que demorou muito tempo a ultrapassar. Esse, de certa forma, foi o momento que mais me fez duvidar mais se era capaz de ultrapassar a lesão e se isso era possível”, contou o próprio. “A verdade foi que, antes disso, eu tinha decidido ir para Barcelona com 15 anos, tinha sacrificado muito a minha vida pessoal e fiz uma aposta muito grande, tanto eu como a minha família e senti que não podia, à primeira adversidade, desistir. Não quis deitar ao lixo sete anos de tanta dedicação e de tanto investimento”, justificou.
A carreira de Rui Machado durou ainda mais dez anos. Aos 32 anos, acabou por abandonar os courts – enquanto jogador. “Eu não diria que foi difícil porque foi uma decisão bastante ponderada e demorada. Queria ter a certeza que estava a tomar a decisão correta. O que me levou a tomar esta decisão foi sentir que o meu corpo não estava a corresponder ao nível a que eu estava habituado, tinha muitas mazelas e pequenas lesões que não me deixavam jogar ao nível que eu pretendia. De certa forma perdi aquilo que era minha vontade de me superar e de atingir novos objetivos e isso sempre foi a essência da minha carreira, ou se está a 100% ou não se está. E nessa altura decidi que não deveria continuar, não estava confortável nem gostava do cenário de continuar sem estar a 100%”. Deixou de jogar em junho de 2016 e em setembro assumiu o cargo de Diretor Técnico Nacional da Federação Portuguesa de Ténis, ficou também responsável pelo Centro de Alto Rendimento e regressou aos courts, agora no papel de treinador. “A transição foi natural”, explicou, “porque nos últimos meses antes de deixar de jogar já estava a dedicar muito tempo da minha vida a estudar e a preparar-me para ser treinador. No dia em que eu pedi ao presidente da Federação para me ajudar a organizar a conferência de imprensa para anunciar que me iria retirar, porque eu quis fazê-la num local que tivesse significado para mim e pedi-lhe para me ajudar a fazer a conferência de imprensa no Jamor. Nesse dia ele disse-me que a Federação tratava de tudo mas que se eu ia deixar de jogar, então tínhamos de falar. A minha resposta foi “OK, eu retiro-me primeiro e falamos depois”. No dia em que eu me retirei, o Presidente convidou-me para almoçar e começamos a falar sobre os projetos futuros”, recordou o treinador.
Ao assumir um papel completamente diferente, os desafios passaram a ser outros: “O primeiro desafio que eu tive de enfrentar foi alterar a minha maneira de pensar, daquilo que era o melhor para mim e começar a pensar naquilo que é o melhor para os outros - neste caso, para os jogadores que nós treinamos no Centro de Alto Rendimento. Porque numa carreira individual nós passamos anos a tomar decisões sobre o que é melhor para nós e como treinador passamos a pensar exclusivamente no que é melhor para os atletas e essa passa a ser a nossa prioridade. Esse foi o primeiro grande desafio, que foi ultrapassado rapidamente”, assegurou. “Depois foi, no início do meu trabalho com a Federação, ter de me inteirar de todos os projetos. Foram meses duros porque eu não queria demorar muito tempo até estar dentro de todos os dossiers e foram algumas noites de trabalho extra até ficar por dentro dos projetos e para poder começar a tomar as decisões mais acertadas. Eu gosto de controlar as variáveis ao máximo possível e tinha uma carreira dedicada ao ténis, mas sobre os projetos da Federação era preciso perceber o porquê de serem feitos desta maneira para tomar as melhores decisões”, explicou.
Atualmente assume os cargos de Coordenador Técnico Nacional na Federação Portuguesa de Ténis (FPT), é responsável pelo Centro de Alto Rendimento da FPT e capitão da equipa portuguesa na Taça Davis. A gestão destes vários cargos é feita “com muita dedicação, muitas horas de trabalho. A capacidade de trabalho sempre me foi reconhecida e por isso é que também tive os resultados que tive como jogador e agora continuo com uma capacidade de trabalho bastante considerável e muita dedicação”, atestou Rui Machado. “O Centro de Alto Rendimento é um projeto em que estou muito envolvido diretamente, passo muitas horas do meu dia lá, mas conto com uma equipa muito profissional e quando assim é, também é mais fácil trabalhar. Muitas das coisas são feitas por esta equipa multidisciplinar e isso também ajuda na altura de tomar decisões”, garantiu o técnico.
Apesar de ter sido uma das modalidades menos afetadas pela pandemia causada pelo COVID-19, o ténis também teve de se adaptar a uma nova realidade. “O dia a dia mudou um bocadinho porque tivemos de ficar confinados em casa, em teletrabalho mas rapidamente conseguimos retomar a normalidade. A pandemia foi um desafio porque foi preciso fazer muitas alterações, foi preciso tomar muitas decisões sobretudo na situação mais difícil que é um cenário de incerteza, em que somos obrigados a trabalhar com vários cenários e isso obviamente dá mais trabalho. Quando desenvolvemos o plano de retoma de atividade, como trabalhámos com algumas incertezas, não sabíamos quais seriam as normas e orientações da Direção-Geral da Saúde e do Governo, trabalhámos em vários cenários para que mais rapidamente, assim que saíssem as normas, pudéssemos dar uma resposta mais rápida. Esse foi o grande desafio da pandemia”, revelou o Coordenador Técnico Nacional, que assume o crescimento da modalidade. “Na minha opinião, o ténis conseguiu ultrapassar tudo isso muito bem, aliás foi das modalidades que melhor geriu esta situação, até pelas características da modalidade e que saiu mais forte, porque neste momento temos mais pessoas a jogar, temos as escolas com mais alunos. Eu diria que neste momento estamos a gerir a situação muito bem, mas com algumas condicionantes. Houve muitos torneios que foram cancelados ou adiados, mas fomos dos países que mais torneios internacionais realizou, o que também ajudou a que o ténis ultrapassasse esta situação”, afirmou.
No passado domingo, a vitória de Pedro Sousa – que chegou a ser um adversário mas agora é treinado por Rui Machado - no Maia Open
fez com que igualasse o recorde português de títulos no ATP Challenger Tour até aqui detido pelo ex-jogador, que considera este título muito motivador: “Todos os títulos são importantes e este sobretudo porque termina um ano em que o Pedro evoluiu bastante, tem evoluído muito nos últimos anos mas este foi um ano em que juntou algumas peças muito importantes ao seu jogo e dá-lhe um bocadinho de confiança extra para encarar os desafios do próximo ano e os objetivos da carreira dele, que passam por apurar-se para os Jogos Olímpicos, o que é bastante ambicioso, mas é o que é e é muito possível, com o que ele está a jogar. Os títulos são todos especiais, este pelo facto de nos dar confiança para o que aí vem”.
Sobre os objetivos para 2021, “os meus, enquanto treinador do Pedro, passam pela consolidação dele no top100 e a qualificação para os Jogos Olímpicos e sei que é um objetivo de carreira dele. Aqui, no Centro de Alto Rendimento, é continuar este excelente trabalho em equipa que estamos a fazer e o desenvolvimento de toda a estrutura, que cada vez está a trabalhar melhor e que se está a traduzir em resultados internacionais cada vez melhores. Temos um grupo de atletas excelente e que para o ano nos vai dar muitas alegrias”, acredita o responsável pelo Centro de Alto Rendimento.
Para Rui Machado, ser treinador é uma arte: “As dificuldades são diárias, de entender os jogadores, entender o momento que estão a passar, conhecê-los cada vez melhor. Eu acho que um treinador tem de conhecer muito bem o seu atleta para o entender e aproveitar cada momento que tem com o atleta para o conhecer cada vez melhor e poder tomar as melhores decisões, fazer as melhores abordagens. Não existe uma receita que seja igual para todos, existem sim boas decisões para cada atleta em questão e essa é a arte do treinador”.
Atleta de sucesso e, agora, treinador de sucesso, não consegue definir em qual dos papéis se sente mais realizado. “É difícil de comparar. Sinto-me muito realizado nos dois papéis. Como jogador é um bocadinho mais intenso porque é tudo sobre nós, mas como treinador, o cargo que eu tenho também é super desafiante e também estou super realizado, porque o que eu procuro são desafios na vida. Já tive o desafio de ser jogador profissional, que era muito grande e agora tenho outra vez um desafio, que é ajudar a desenvolver o ténis nacional. É não só um desafio como uma grande responsabilidade, mas neste momento também me sinto realizado. Quando não me sentir não vou continuar, porque são esses os meus objetivos de vida: fazer aquilo que gosto e sentir que sou útil e que tenho um desafio à altura”, garante.
A Confederação de Treinadores de Portugal deseja o maior sucesso para Rui Machado e toda a equipa do Centro de Alto Rendimento e respetivos atletas para os desafios do próximo ano.