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Reflexão sobre PNFT

 

A – INTRODUÇÃO

 

Após cerca de 20 anos de ausência de regulamentação do processo de formação de treinadores (Decretos-Lei de 1991 e 1999 nunca regulamentados) e com descontinuidades nas respectivas políticas, o País, o seu Sistema Desportivo e os Treinadores viram, finalmente, concluído o processo de regulamentação desta importante área dos recursos humanos do Desporto. Isto materializou-se na publicação do Decreto-Lei nº 248-A/2008, de 31 de Dezembro, do Despacho nº 5061/2010 e respectivos desenvolvimentos (publicação dos referenciais de formação, manuais de formação relativos aos conteúdos programáticos dos diferentes graus de formação, etc.), na vigência do XVIII Governo Constitucional e de acordo com as recomendações da União Europeia e do processo de harmonização nela em curso. O conjunto, devidamente articulado, de todas as peças legais referidas, consubstancia o Programa Nacional de Formação de Treinadores (PNFT).

Sendo certo que, em Democracia, as descontinuidades políticas fazem parte da sua essência, já não nos parece que tal tenha de implicar, obrigatoriamente, descontinuidades das políticas. No entanto, e tendo convivido durante largos anos com estas, tal como atrás referimos, foi com grande satisfação e expectativa que verificámos que o Programa do XIX Governo Constitucional continha uma Medida, “Proceder a uma revisão pontual do ordenamento jurídico – desportivo existente e eventual adopção de novos diplomas após uma maturação da vigência da actual legislação” (o sublinhado é nosso), que consideramos de grande importância e revela muito bom senso e alargada visão política. Aliás, e tanto quanto a nossa memória alcança, tratar-se-á da primeira vez que tal acontece na História recente da nossa Democracia e dos sucessivos Governos que lhe têm dado corpo. Desta satisfação já tivemos oportunidade de dar conta ao Senhor Secretário de Estado da tutela.

O Programa é, naturalmente, ambicioso e exigente. Nem podia ser de outro modo se, como será normal que se deseje, queremos ver o País alinhado com o que é já prática corrente na União Europeia.

Sendo o Programa como é e implicando um grande esforço de mudança, compreendemos e entendemos a legitimidade daqueles que lhe apontam as dificuldades, justificam reservas ou sugerem acertos. O que já não será aceitável é que alguém, ou alguma instituição, possa sugerir a sua suspensão ou substituição, com retorno ao anterior ou a adopção de um programa mais “fácil”. Quanto a “facilidades” cremos que o País já compreendeu como elas nos têm afastado do “pelotão da frente” da União Europeia em muitas áreas de actividade. Quem não o está a sentir?

Mas, e a propósito das reservas que possam ser colocadas ao Programa, interroguemo-nos:

  • O PNFT e a Lei que o suporta estão conceptual, técnica e cientificamente mal concebidos? Quais os problemas que levantam, os reparos que lhe podem ser feitos? Infringem a Lei geral do País, os direitos individuais? A existência, finalmente, de uma Entidade Reguladora é um problema? Ou queremos continuar a permitir que cada instituição (do sistema desportivo, do sistema de ensino e outras) proceda como muito bem entender, tratando o mesmo problema e os cidadãos que o transportam, de formas diferentes e casuisticamente? Isto tem pouco a ver com a noção de um Estado de Direito moderno, para além de que a falta de regulação já provou ser causadora de profundos danos em várias áreas de actividade;
  • O PNFT está, ou não, devidamente enquadrado? No Sistema e nas disposições da Agência Nacional de Qualificações? Nas recomendações da União Europeia relacionadas com a implementação do Processo de Bolonha e da Estratégia de Lisboa, entre outros importantes documentos estratégicos? Está a preparar adequadamente os passos que é necessário dar rumo a uma futura livre circulação na União Europeia, cumprindo assim um dos pilares fundamentais da sua construção? Ou será que estamos perante o “desejo”, por alguns, de nos mantermos fora da lógica da construção da EU?
  • Às Federações Desportivas não continua a ser atribuído um papel fundamental em todo o processo (construção dos referenciais, manuais específicos …)?
  • Realizar Estágio para entrar e avançar na carreira é um problema? O que é que passa nas várias profissões? Ou será que queremos continuar a ter uma actividade/profissão facilmente “descartável” ou nunca vir a ter uma profissão devidamente regulada?

Deverá ser com base nas respostas a estas questões que o PNFT deverá ser “julgado”.

Mas admitamos, por um momento, que alguém pudesse sugerir a suspensão ou substituição do Programa. Neste caso, e não estamos a ser catastrofistas, as consequências revelar-se-iam desastrosas para o País e, em particular, para a qualificação e o reconhecimento da importância da actividade dos treinadores. Assim, e se tal ocorresse, teriam lugar os seguintes

BDESENVOLVIMENTOS

 

B.1 - NO ESPAÇO DA EU

 

a) Portugal ficaria, neste caso e de facto, fora do processo em curso em toda a União Europeia, no seio da qual tanto os Estados como as Federações Desportivas e, em certos casos, até já os sistemas de Ensino Superior, vão dando passos no sentido da harmonização tomando como referência o sistema de 4 Graus que constitui a base de consenso a que se chegou no espaço da EU, na sequência do desenvolvimento do Projecto AEHESIS (Aligning an European Higher Education Structure in Sport Science) e da Convenção de Rio Maior. Apenas como exemplo do que atrás se afirma referimos o Projecto, financiado por fundos comunitários, que envolve as Federações de Vela de Portugal, Espanha, França e Itália e que, em conjunto, desenvolvem os esforços necessários para a harmonização da formação dos seus treinadores de acordo com as referências europeias e, neste caso, as especificidades da Vela;

b) ENSSEE (European Network of Sport Sciences, Education and Employment) e CONVENÇÃO DE RIO MAIOR

A ENSSEE, no seio da qual funciona o ECC (European Coaching Council) como Comité especializado para a formação de treinadores, é a organização, reconhecida pela Comissão Europeia, que levou a cabo o desenvolvimento do Projecto AEHESIS atrás referido entre 2003 e 2007, na sequência do qual foram definidas as grandes linhas de referência para o progressivo alinhamento da formação de quadros nas quatro áreas de actividade – Educação Física, Gestão, Fitness e Treino.

Na sequência da conclusão do Projecto foi assinada, em 23 de Setembro de 2007 e durante o Fórum da ENSSEE que teve lugar em Rio Maior, a Convenção com o nome desta cidade portuguesa, subscrita por 30 agências europeias relacionadas com a formação de Treinadores. Os signatários da Convenção assumiram o compromisso de a tomarem como a referência orientadora para a respectiva actividade. E é o que está a acontecer, de modo cada vez mais alargado e um pouco em todos os Estados membros da EU - Alemanha, Espanha, França, Grã-Bretanha, Holanda, Itália, Portugal, República Checa, Roménia … (este grupo inclui práticamente todas as grandes potências). Naturalmente que numa Europa com “diferentes velocidades” há sempre alguns mais atrás. Mas, neste caso concreto, não só integramos o pelotão da frente, como é possível afirmar que o PNFT é tido como de excelente qualidade e vem bem referenciado em documentos de circulação internacional.

A ENSSEE foi até há pouco presidida pelo Prof. Walter Tokarski, da Alemanha, e esteve sediada em Colónia, junto à Faculdade de Educação Física e à Academia de Treinadores da Alemanha. No passado mês de Agosto, em Paris, tiveram lugar eleições para o respectivo Board, tendo sido eleito Presidente o Prof. José Rodrigues, da Escola Superior de Desporto de Rio Maior. Na sequência desta eleição, a sede da ENSSEE será transferida para Rio Maior. Portugal tem dois lugares no Board da ENSSEE e um no do ECC.

Tudo isto mostra que Portugal é um País muito prestigiado neste domínio, sem esquecer a importância dos aspectos científicos e económicos que lhe estão associados. E, sem falsas modéstias, Portugal poderá constituir-se como um caso muito sério em tudo o que diz respeito à concepção, produção e disseminação de produtos de formação nos domínios que temos vindo a abordar.

Com todo o respeito, seria no mínimo paradoxal que, a este propósito, nos encontrássemos desalinhados de todo o processo de harmonização em curso na União Europeia já referido;

c) PROJECTOS EUROPEUS, DIÁLOGO SOCIAL EUROPEU, RECONHECIMENTO DA PROFISSÃO E LIVRE CIRCULAÇÃO

A Confederação de Treinadores tem vindo a estar envolvida num cada vez maior número de projectos no âmbito da União Europeia. Está em curso o Projecto PARTES, destinado ao desenvolvimento do inglês técnico no Desporto (parceria de Portugal com Alemanha, Bulgária, França e Hungria). Para o desenvolvimento deste Projecto a Confederação colabora com as Federações Portuguesas de Ginástica e Voleibol. Aguardam decisão dois novos projectos – “Estratégias para Desenvolvimento das Aprendizagens ao Longo da Vida” (parceria de Portugal com Alemanha, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Hungria, Irlanda, Itália, Reino Unido e Suécia) e “Promoção de abordagens inovadoras para fortalecimento da organização do Desporto na Europa - CoachNet” (integra a Universidade de Leeds Metropolitan, Coordenadora do Projecto, as Confederações de Treinadores de Portugal, Espanha, Holanda, Hungria e Finlândia, as Academias de Treinadores da Alemanha e Polónia e a Associação Europeia de Treinadores de Atletismo).

Está em curso o desenvolvimento de encontros e projectos no âmbito da UniEuropa e do chamado Diálogo Social Europeu nos quais também é necessário estar presente.

Todo este largo conjunto de iniciativas prepara, entre outros temas, o terreno para o reconhecimento da profissão e a futura livre circulação, neste caso dos treinadores, na EU. Relembremos que a livre circulação é um dos grandes pilares e uma das mais nobres missões do processo de construção europeia. Quereremos estar de fora?

d) FINANCIAMENTOS PARA O PERÍODO 2014-2020

Já é sabido que a Comissão Europeia está a preparar um novo modelo de financiamento para projectos na área do Desporto para o período de 2014 a 2020. Seja ele qual venha a ser, é claro que será indispensável estar alinhado com os restantes países da União de modo a ser possível integrar futuras parcerias;

e) CONGRESSO IBÉRICO DE TREINADORES

Estamos a trabalhar com a nossa congénere espanhola (CNED – Consejo Nacional de Entrenadores Deportivos) no sentido de uma futura organização de um Congresso Ibérico de Treinadores, com uma localização alternada entre Portugal e Espanha. Mas, uma vez mais, tal só fará sentido no pressuposto da existência de um eixo comum de intervenção – a harmonização europeia.

B.2 - NO RESTANTE PLANO INTERNACIONAL

 

Consultando o Programa do XIX Governo Constitucional podemos constatar, e do nosso ponto de vista muito bem e a revelar importante visão estratégica, muitas preocupações com a necessidade de, e não apenas no domínio do Desporto:

  • Promover uma maior cooperação bilateral e multilateral com países do espaço lusófono, bem como junto de organizações internacionais, e redobrar a importância do relacionamento com os países de expressão portuguesa, tendo sempre presente a relevância da língua que nos une e que no quadro da CPLP se revela estratégica e economicamente relevante;
  • Revalorizar as comunidades de portugueses residentes no estrangeiro;
  • Todos estes aspectos naturalmente articulados com uma política europeia competente e credível.

Posto isto, relembramos:

  • Em 2010.08.01, em Maputo, a Assembleia Plenária dos Ministros do Desporto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa aprovou, por unanimidade, a proposta de Portugal para a criação da Confederação de Treinadores de Língua Portuguesa e respectiva Plataforma Digital de apoio. Os trabalhos necessários à implementação prática da decisão estão a ser desenvolvidos, embora com a natural morosidade com que ocorrem os contactos e se acertam as intervenções com cada um dos membros da CPLP – oito Países com agendas e prioridades naturalmente distintas. Por outro lado, Portugal é responsável pela preparação da nova etapa do desenvolvimento do projecto a ter lugar durante os VIII Jogos Desportivos da CPLP, que se realizarão em Portugal no próximo ano de 2012. Entretanto, todos os Países membros já dispõem de ampla informação sobre o Projecto em curso, já conhecem o nosso Programa Nacional de Formação de Treinadores e já tiveram lugar reuniões preparatórias e acções de formação em Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Moçambique e Brasil;
  • No próximo ano (2 a 5 de Abril) terá lugar o XIV Congresso das Ciências do Desporto e da Educação Física dos Países de Língua Portuguesa em Belo Horizonte, Brasil. Do respectivo programa faz parte uma Mesa Temática sobre “Formação de Treinadores nos Países de Língua Portuguesa”. Mais uma prova de que as preocupações com a formação de treinadores estão no centro das preocupações, neste caso no mundo da língua portuguesa, e de que não nos poderemos alhear;
  • O que se está a passar no Mundo, que se prepara para adoptar o modelo europeu de formação de treinadores, afinal o de Portugal, como a grande referência para todo o Mundo. Daqui resultam responsabilidades acrescidas para Portugal, com especial relevância no espaço lusófono e nas Comunidades de portugueses espalhadas pelo Mundo. O Mundo precisa de mais Portugal! Mas isto só será possível, neste caso concreto da formação de treinadores, se, como já vimos, Portugal estiver alinhado com o modelo europeu. Sejamos humildes e francos – ao Brasil pouco interessará um “modelo português”! E o mesmo se passará em África – aqui, se não nos precavermos, a nossa capacidade de influência geoestratégica será ocupada pela África do Sul (lá terá lugar, em 2013, a Conferência Mundial das organizações responsáveis pela formação de treinadores, com Angola e Moçambique ali mesmo ao lado);
  • Volta que não volta surge o “papão” da “ameaça” das Federações internacionais que não “aceitarão” o nosso Programa. Como se as Federações Internacionais pudessem, e quisessem, definir o que deverá ser feito a todos os níveis e em cada País. O que fazem, e nem sempre, é exigir que nas provas que organizam os treinadores possuam uma determinada titulação (naturalmente conferida por elas);
  • Mas, face a esta pretensa “ameaça”, vejamos o que se está a passar, também neste domínio, ao mais alto nível do dirigismo desportivo mundial. Assim, já se iniciaram reuniões (Colónia, 27-28 de Abril/2011) dos grupos de trabalho “Formação de treinadores” (adopção do modelo europeu como grande referência para implementar em todo o Mundo) e “Reconhecimento da actividade dos treinadores como profissão regulada”, que integram representantes do ICCE/International Council for Coach Education, ECC/European Coaching Council, Comité Olímpico Internacional, Associações das Federações Internacionais dos Jogos Olímpicos de Verão e de Inverno, grandes federações internacionais individualmente (IAAF/Federação Internacional de Atletismo, FEI/Federação Equestre Internacional, ITF/Federação Internacional de Ténis, UCI/União Ciclista Internacional, FIH/Federação Internacional de Hóquei …). Portugal também tem um representante nestes grupos de trabalho, cuja coordenação é feita por Patrick Duffy, Irlanda, Presidente do ECC e Marisol Casado, Espanha, Presidente da International Thriathlon Union e representante da ASOIF – Associação das Federações Internacionais dos Jogos Olímpicos de Verão. O grupo inclui representantes de “Advisory organisations” – Solidariedade Olímpica, Agência Mundial Antidopagem, Unidade de Desporto da Comissão Europeia e UKSport e de Apoio Técnico (que inclui investigadores na área das competências e expertise dos treinadores). Portanto, também aqui são bem visíveis sinais de mudança, com um objectivo bem claro – pôr fim à indiscriminada existência dos mais variados modelos de formação de treinadores através de uma progressiva normalização com referência, como já vimos, ao modelo da EU;
  • E, entretanto (Paris, 26 e 27 de Agosto de 2011), já teve lugar a segunda reunião dos grupos de trabalho atrás referidos e, desta feita, associada à reunião de um significativo número (17) de importantes Federações Internacionais, entre as quais se encontravam as de Basquetebol, Voleibol, Ténis, Rugby, Golfe, Ciclismo, Vela, Remo … Não pretendendo “meter a foice em seara alheia”, cremos que as Federações homólogas nacionais deverão estar ao corrente do que se passará na internacional;
  • E, também, ainda recentemente (30 de Setembro e 1 de Outubro), decorreu em Vilamoura a Conferência sobre Formação de Treinadores promovida pela Federação Europeia de Ténis e sob a égide da ITF/Federação Internacional de Ténis. Nela participaram membros do European Coaching Council para informarem sobre o modo como estão a ocorrer os desenvolvimentos relativos à formação de treinadores e a sua importância para o exercício da actividade dos treinadores de Ténis;
  • Ou seja, todo o Mundo desportivo e ao seu mais elevado nível dirigente está receptivo e a colaborar activamente no sentido de pôr termo a uma indesejável proliferação dos mais variados tipos de abordagens à formação de treinadores e, por via de uma progressiva harmonização, melhorar as suas qualificações e torná-los mais aptos a formar MELHORES ATLETAS, afinal de contas a razão última e central de toda a organização desportiva.

C - O QUE DEVERÁ CONTINUAR A SER FEITO

Chegados aqui, deparamo-nos com uma situação que poderemos enquadrar em três grandes linhas de referência:

  1. Afastarmo-nos do processo de harmonização europeia em curso revelar-se-á, tal como já vimos, altamente penalizador para o País, o nosso Sistema Desportivo e os Treinadores;
  2. A situação de crise económica que o País, as instituições e a generalidade dos cidadãos atravessam não permite grandes “ousadias”;
  3. De acordo com as “Estatísticas do Desporto 1996 – 2009” (publicação do IDP) estavam inscritos nas Federações Desportivas, em 2009, 19800 treinadores, sendo que no mesmo ano foram formados 2453 novos treinadores e estiveram presentes em Acções de Actualização 5783. Aliás, no referido período de 1996 a 2009, o número de treinadores sujeitos a acções de formação (inicial ou de actualização) foi de 85394! A todos estes haverá que juntar todos aqueles que saem do Ensino Superior e obterão reconhecimento de Grau de Treinador, os que virão através do processo de reconhecimento de cursos feitos noutros Países e, ainda, todos os ainda formados pelas Federações desportivas que não tinham de relatar essas acções ao IDP. Se, com “timidez”, dissermos que existirão em Portugal mais de 100000 treinadores formados, estaremos a “exagerar”? E, em 2009, apenas 19800 referenciados pelas Federações ao IDP? Por onde andarão os restantes? Algo, sem dúvida, a merecer estudo atento. E, para já e não o podendo aqui afirmar sem margem para dúvidas, será no entanto razoável dizer que, salvo em circunstâncias muito particulares de uma ou outra modalidade, não se justificará de imediato realizar formação inicial de novos treinadores. Entretanto, já é possível acrescentar dados do que aconteceu no âmbito das Federações Desportivas no ano de 2010 relativamente a acções de formação contratualizadas com o IDP – 113 novos cursos e 256 acções de actualização, envolvendo 2382 novos treinadores e 5519 sujeitos a actualização (total 7901). Estes dados só reforçam o que já se verificava no período que analisámos.

Num contexto com estas limitações, o que será recomendável fazer? Permitimo-nos avançar com algumas sugestões:

  • Aprofundar o conhecimento da realidade em cada modalidade – treinadores formados, quantos em actividade, onde trabalham, quanto trabalham e em que condições, remunerados – em full-time ou part-time - ou benévolos, qual o impacto da sua intervenção no meio envolvente, razões para o abandono de muitos dos formados, etc.;
  • Trabalhar a Lei em vigor, que, não sendo perfeita como o não são genericamente todas, tem muitas virtualidades que podem ser aprofundadas, respondendo com boas soluções para as muitas especificidades em que as modalidades são, felizmente, muito ricas. Isto encaixa perfeitamente no espírito do que se dispõe no Programa do actual Governo relativamente ao necessário período de maturação da Lei em vigor;
  • Estudar, por exemplo, como será possível formar treinadores de Grau IV (o mais elevado) para o treino de crianças e jovens, aliás uma velha aspiração de muitos especialistas e outros envolvidos nesta importante área do desenvolvimento desportivo e que é claramente possível de alcançar nalgumas modalidades. Sem pretendermos “meter o nariz” onde não nos pertence, sempre diremos que uma observação à distância nos diz que o Futebol, a Ginástica, a Natação, o Ténis, o Judo, o Karaté, o Golfe … serão modalidades com todas as condições para albergarem uma carreira aliciante para treinadores até ao Grau IV no Desporto Infanto-Juvenil. E, a chegar-se aqui, isto representaria um enorme salto qualitativo para os treinadores, as práticas por eles dirigidas e, obviamente, para a qualidade das modalidades e dos ATLETAS;
  • Levar a cabo um grande projecto de requalificação/reciclagem dos muitos treinadores já formados, apetrechando-os com conhecimento mais recente. Talvez, como já foi dito, haja necessidade de alguma formação inicial numa ou noutra modalidade;
  • Formar especialistas em formação de treinadores - formar treinadores altamente qualificados e monitorizar a evolução das suas práticas vai muito para além da organização dos cursos de formação;
  • Aumentar a qualificação dos Recursos Humanos para melhorar a competitividade e, por essa via, ganhar valor económico;
  • Alargar o território de empregabilidade para os treinadores portugueses – é um dos objectivos da Confederação através do Projecto da Confederação dos Treinadores de Língua Portuguesa (CTLP). É algo que o Futebol já consegue com bastante sucesso, conhecendo-se também alguns casos noutras modalidades, mas que é claramente possível alargar e aprofundar noutras modalidades;
  • Competir com oferta de formação qualificada e documentação no universo do espaço lusófono – temos especialistas em qualidade e quantidade suficiente para não recearmos o confronto no plano internacional, sendo este outro dos objectivos que a Confederação procura através do Projecto CTLP;
  • Trabalhar para corrigir o evidente défice de acesso que se observa relativamente às mulheres que querem ser treinadoras. O estado de feminização nesta área era, em 2009, de 17% (muito pouco para um Estado moderno);
  • A realização das tarefas enunciadas nos pontos anteriores já será, só por si, um empreendimento gigantesco a proporcionar oportunidades de trabalho a muita gente;
  • Prosseguir o trabalho de alinhamentos já em curso – alinhar as iniciativas do Estado e da Sociedade Civil; alinhar a formação realizada no Ensino Superior com a do Sistema Federado/Formação Profissional. Este alinhamento é também urgente, uma vez que os dados relativos ao que se passa no Ensino Superior também dão que pensar. Assim, no ano lectivo de 2010-11, 34 cursos em 28 estabelecimentos de ensino apontavam Treino Desportivo como saída profissional.

O Instituto do Desporto de Portugal dispõe de um conjunto de especialistas altamente qualificados nestes domínios e também no do relacionamento com a Agência Nacional de Qualificações, também esta uma importante peça de todo este processo de integração europeia.

No entanto, o número de especialistas a trabalharem no IDP é claramente reduzido para a dimensão das tarefas em presença. O que, claramente, recomenda o estabelecimento de parcerias com a sociedade civil, aliás uma característica definidora da qualidade das democracias avançadas.

Pela nossa parte, Confederação dos Treinadores, manifestamos a nossa total disponibilidade para participarmos em qualquer das muitas parcerias possíveis, disponibilizando o know-how que possuímos em prol do bem comum e do progresso do nosso Desporto.

Dito isto, permitimo-nos destacar a previsão de um futuro razoavelmente interessante para o lado económico (também muito referido no Programa de Governo) de tudo o que aqui está em jogo e que resultará das seguintes acções:

  • Concepção, produção e disseminação de produtos de formação no espaço de língua portuguesa e, estamos convictos, também da castelhana;
  • Organização de Congressos (Ibérico e dos Treinadores de Língua Portuguesa);
  • Exploração comercial do site de apoio;
  • Alargamento do espaço de intervenção dos especialistas portugueses em formação de treinadores;
  • Alargamento do espaço de empregabilidade dos treinadores portugueses.

D - REFLEXÕES FINAIS

 

Após a publicação do Livro Branco do Desporto e do reconhecimento da especificidade do Desporto no Tratado de Lisboa (artigo 165, nº 1) têm ocorrido uma larga publicação de documentos e intervenções públicas dos responsáveis da Unidade de Desporto da Direcção Geral da Educação e Cultura da EU onde é possível constatar uma chamada de atenção para o papel central dos treinadores relativamente à construção da dimensão europeia do desporto e à sua intervenção qualificada relativamente a:

  • Formar atletas que sejam modelos para a sociedade;
  • Luta contra a violência e intolerância;
  • Realização dos valores sociais e educativos do desporto;
  • Protecção física e integridade moral dos jovens desportistas;
  • Promoção de estilos de vida saudáveis;
  • Desenvolvimento de processos de aprendizagens informais;
  • Uma boa articulação entre o treino dos jovens talentos e o estudo/trabalho (dual career);
  • Prevenção do doping e dos vários tipos de assédio.

Para tornar isto possível, os documentos e as intervenções dos responsáveis da EU apontam com clareza para a necessidade de termos treinadores mais qualificados e, também, mais treinadores profissionais. Fazem, ainda, apelo à participação das organizações de treinadores e ao seu envolvimento no diálogo social.

Por tudo o que já afirmámos anteriormente e pelas claras referências que nos são dadas pelos responsáveis do Desporto da EU não temos dúvidas de que o caminho terá de ser o da exigência na qualidade da formação de treinadores.

Paço de Arcos, 2011-10-03

A Direcção da Confederação de Treinadores